Quarta, 01 de março de 2017

(Jl 2,12-18; Sl 50[51]; 2Cor 5,20—6,2; Mt 6,1-6.16-18) 
Cinzas.

1. Nestes domingos que antecederam a quaresma, estávamos acompanhando o sermão da montanha, e assim, nesse ano A (Mateus), podemos dar uma sequência a nossa reflexão, a partir desse texto do evangelho que se repete todos os anos para dar o tom de nossa piedade quaresmal. São três instruções precedidas de uma advertência: a falsa prática da “justiça”; não praticar as obras de piedade para serem vistos pelas pessoas. Parece contradizer o convite a deixar que a nossa luz brilhe diante dos homens.

2. É uma contradição aparente, porque a ideia de recompensa que buscamos é essa entrada na comunhão de vida com Deus. Deus não recompensa um a um os resultados obtidos, mas concede a cada um que a ele se entregou – não importa em que tempo – a recompensa plena. Ele mesmo é a recompensa indivisa, que se oferece a todo aquele que acolhe sua oferta gratuita e a ela responde por meio de ações. Se agimos para ser vistos, elogiados, já não temos nada para receber de Deus.

3. Numa sociedade obcecada por resultados, que tudo procura quantificar, aparece algo que não se pode quantificar: o amor com que realizamos certos gestos. O Deus paternal vê no segredo, conhece nosso coração melhor que nós próprios. Um amor que, também diante de Deus, não leva em conta a si mesmo, experimenta como recompensa o amor de Deus: o amor parecido ao de Jesus.

4. A oração constitui a instrução central do sermão da montanha. Aqui temos uma pequena introdução que culminará no Pai nosso. Salienta-se seu aspecto privado e de petição, muito cara a mentalidade judaica. Censura-se a hipocrisia que faz da oração uma demonstração na qual a pessoa exibe-se a outras pessoas, em vez de dirigir-se a Deus somente.

5. Se a publicidade é buscada conscientemente ou não, existe sempre o perigo de desconhecer a verdadeira essência da oração. O quarto é apenas uma metáfora para o âmbito do qual todas as demais pessoas são excluídas e onde o ser humano encontra-se completamente para si e com o seu Deus e Pai. É no segredo, no escondido da existência que Deus vai se manifestando, e a percepção é sempre ‘desafiantemente’ pessoal. Um convite a levar a sério Deus como Deus e a ele somente dedicar toda honra e adoração, e agradecer-lhe por sua imensa glória.

6. A advertência contra um comportamento equívoco durante o jejum diz respeito, mais uma vez, aos hipócritas que, sem sabedoria alguma, colocam a própria honra no lugar da honra de Deus. Jejuar é mais que uma renúncia à comida e bebida. O jejum diz respeito também a bens espirituais, tais como a obsequiosa e oportuna renúncia ao uso da superioridade intelectual, das vantagens profissionais ou de ocasiões de sucesso em favor de colegas malsucedidos etc. Tal jejum é um múltiplo treino no único necessário. É a sempre renovada tentativa de se entregar, a fim de poder cair nas mãos de Deus.

7. Como em todos os últimos anos aqui no Brasil, a Quaresma nos faz encontrar a Campanha da Fraternidade (CF). Este ano, mais uma vez, a preocupação se volta para a realidade ecológica:“Biomas Brasileiros e Defesa da Vida”. Ainda estamos sob os ecos da Laudato Si’ do Papa Francisco, tema que estudamos no ano anterior. O desafio da convivência com os biomas, embora não seja tema tratado especificamente no documento papal, se ilumina de modo particular com a reflexão a respeito da interligação de todas as criaturas.

8. Ele convida a renovar o diálogo sobre os sofrimentos que afligem os pobres e a devastação do meio ambiente, com cada pessoa que no planeta habita. Ele afirma que Deus deu-nos de presente um exuberante jardim, mas estamos a transformá-lo em uma poluída vastidão de ruínas, desertos e lixo. Ele nos alerta para não nos redermos ou ficarmos indiferentes perante a perda da biodiversidade e a destruição dos ecossistemas, muitas vezes provocadas pelos nossos comportamentos irresponsáveis e egoístas.

9. Dentro desse espírito quaresmal de conversão, debruçamo-nos sobre nossas riquezas e problemas. A conversão que devemos a Deus, devemos também aos irmãos e irmãs e à Sua criação. Essa realidade não diminui o espírito quaresmal. Ilumina-nos o texto do Gênesis, compreendendo a missão do ser humano de ‘cultivar e guardar a criação’ (Gn 2,15). Nosso país é famoso por sua biodiversidade e cada vez mais tem se tornado evidente nossa incapacidade de conviver com essa realidade, de preserva-la. Permanece o desequilíbrio entre economia e ecologia. 


 Pe. João Bosco Vieira Leite