24º Domingo do Tempo Comum – Ano C

(Ex 32,7-11.13-14; Sl 50[51]; 1Tm 1,12-17; Lc 15,1-32)

1. A cada ano celebramos o domingo da misericórdia no tempo pascal sob o evangelho do João, mas é Lucas que nos oferece o verdadeiro rosto da misericórdia divina através de suas parábolas. Preparando-nos para o evangelho, a liturgia nos oferece esse texto do Êxodo, quando o povo, após a saída do Egito, aos pés do Sinai aguarda o retorno de Moisés que falava com Deus. 
2. Num primeiro momento Deus aparece indignado com o povo que não soube aguardar nem reconhecer o que Ele fizera e já se entregava a um culto pagão, por isso queria exterminá-lo. Num segundo momento encontramos a Moisés que intercede pelo povo.  A admirável posição de Moisés nasce da compreensão da sua própria natureza humana, solidária com aqueles que não têm ideia do que estão fazendo.
3. A única maneira de salvar o povo não é prometendo que eles não mais errarão, mas apelando para aquilo que Deus é: paciência, amor, misericórdia. O salmo penitencial completa a reflexão. A misericórdia divina manifestada em Cristo Jesus também tocou a Paulo, nos revela em seu testemunho a Timóteo. Paulo tem muitas razões, pela sua história pessoal, em acreditar na bondade de Deus para com o pecador.
4. Das parábolas da misericórdia aqui apresentadas já tivemos uma visão sobre os dois filhos no 4º domingo da Quaresma. Hoje retomaremos a introdução e as duas pequenas parábolas que se seguem. As parábolas são contadas para aqueles que se achavam justos e não entendem a dinâmica divina que busca os pecadores e até faz festa. Por um acaso é desejo de Deus condenar o seu humano que errou?
5. Quem precisa de fato converter-se são os justos e não os pecadores, por não se ‘misturarem’ e por não entenderem quem de fato é Deus e assim correndo o risco de ficar de fora da festa. A narrativa da ovelha perdida se apresenta como algo desproporcional e exagerado para quem perdeu uma só ovelha. Na imagem desse pastor, Jesus inverte a imagem de Deus.
6. Não se trata de um incentivo a pecar para ser ‘buscado’, mas de perceber que diante de Deus somos todos pecadores e que ele não nos ama em proporção aos nossos méritos. Deus simplesmente ama. Deus vê a todos como seus filhos, mas nós não nos vemos como irmãos nos sucessos e infortúnios da vida. Segundo Jesus nós nos surpreenderíamos com o modo de agir de Deus.
7. A segunda parábola vem como reforço da ideia colocada na primeira, mas numa proporção menor. Os detalhes da mulher que busca a moeda incansavelmente surpreendem. Deus é assim, diz Jesus, não se resigna perder nenhuma de suas criaturas, toma a iniciativa, ainda que respeite a liberdade do homem, como na parábola do filho pródigo. 
8. Um aspecto se sobressai nessa parábola: ninguém até então tinha ousado apresentar a imagem divina sob o manto feminino. Essa linguagem rompe todos os esquemas tradicionais que imaginavam a Deus sob a ótica masculina. No trabalho feminino, nas simples tarefas diárias, Jesus não só reconhece o seu valor, mas utiliza como metáfora do amor de Deus.
9. Mas não basta só reconhecer a misericórdia de Deus. Ligando o evangelho a primeira leitura o texto nos questiona sobre o quanto somos capazes de nos identificar com o outro e de perdoa-lo. Até que ponto somos capazes de nos identificar com a sua exagerada mania de salvar a todos e fazer festa? Por isso a última parábola termina à porta da casa, sem sabermos se o filho mais velho entrou ou não para a festa.


Pe. João Bosco Vieira Leite